quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Erros fatais - artigo de Cláudio Lessa


Brasília (DF) - Num mundo cada vez mais high-tech, o desprezo pelas soluções low-tech se mostra fatal. É como se métodos muitas vezes testados, aprovados e comprovados de repente não valessem mais nada. Se não tiver um chip embutido, ou um LED, ou alguma conexão sem fio a um servidor, não vale nada e não pode mais ser levado em conta como uma alternativa séria - e, portanto, usado.

Assim foi em Cingapura, por exemplo. Felipe Massa promoveu uma enorme lambança nos boxes da Ferrari, perdendo uma corrida que estava no bolso, por causa de um simples e barato... espelho, no pirulito ou seguro por algum mecânico. Se Massa ficasse com um olho na arrancada e outro na mangueira, saberia o "split- second" exato de dar no pé e levar a taça, algo que o pouparia de constrangimentos piores, como se poderá ler mais à frente. Espelho? Que negócio mais low-tech! A Fórmula 1 não comporta mais esse tipo de coisa. O negócio é instalar LEDs automatizados que indicarão precisamente o momento em que a última gota de combustível cai no tanque. Com isso, é só arrancar, como se o piloto fosse um mero robô, imbecilizado, incapaz de reagir com a rapidez e o tirocínio necessários em uma dada situação ou rotina por si mesmo.

No GP da China, então, ficou feio, muito feio. O high- tech se misturou com uma tremenda deselegância. Nada contra o jogo de equipe, mas uma solução low-tech poderia ter sido engendrada antes da corrida. Por exemplo: Raikkonen poderia ter dado uma largada mais lenta, jogado o carro para a direita e permitido a ultrapassagem de Massa, ou demorado um pouco mais nos boxes - algo muito comum quando se fala nos Brancaleones de Maranello, ou mesmo entrado uma vez mais nos boxes. Nada disso foi feito. O finlandês e sua turma chefiada por Stefano Domenicali fizeram questão de esfregar na cara de Massa que ele, Raikkonen (e não o brasileiro) deveria estar naquela posição (a de lutar pelo título) por ser o mais capaz.

A coisa foi tão feia que Raikkonen (que, por sinal, administrou Massa durante toda a corrida), apenas liberou sua passagem quando não havia mais alternativas possíveis, a sete voltas do fim. Ainda na reta dos boxes, logo após a bandeirada, Raikkonen retomou sua posição de segundo colocado moral.

Sem precisar ir ao outro lado do mundo, o Brasil chora o desfecho trágico do caso Lindemberg-Eloá. A namorada morreu estupidamente, além de a melhor amiga entrar de gaiata numa monumental roubada. Mais uma vez, a polícia do fazendão se viu no proverbial mato sem cachorro. Sem possuir os recursos high-tech das forças policiais às quais estamos acostumados a ver nos canais pagos todas as noites, a polícia paulista também resolveu desprezar artifícios low-tech, como (por exemplo) a introdução de poderosos soníferos na comida fornecida ao seqüestrador e suas duas reféns.

É sempre duro buscar soluções pós-fato numa tragédia como essa, mas a verdade é que a imprensa já reportou anteriormente que há medicamentos, como o Rohypnol - o preferido dos golpes tipo "Boa Noite, Cinderela", conhecido nos EUA como uma "date rape drug" - que são usados justamente porque não possuem aroma nem sabor. As vítimas nunca sabem o que tomaram. Só tomam conhecimento dos estragos mais tarde. Se usados, esse medicamentos teriam feito com que os três "apagassem"; os policiais poderiam invadir o local sem reação e resolveriam esse drama de amor que escapou do controle sem traumas, sem perda de vidas humanas.

Vai ver que é por isso que shows como o "McGyver: Profissão Perigo" caíram de moda.

Publicada em:20/10/2008 no site http://www.diretodaredacao.com

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