
Nunca ouvi uma cantiga que eu pudesse expressar seus encantos em meras palavras. Também hoje já não há mais cantigas como, por exemplo, Luciana, que dizia em seus versos: “Luciana, Luciana, sorriso de menina dos olhos de mar, Luciana, Luciana, abrace essa cantiga por onde passar...” Lembro-me do saudoso Taiguara que cantava “Modinha” e encantava quem o ouvia: “Olho o sol findando lento, sonho um sonho de adulto, minha voz na voz do vento, indo em busca do teu vulto, e o meu verso em pedaços, só querendo o teu perdão. Eu me perco nos teus passos e me encontro na canção.” Sérgio Bittencourt, que tão cedo nos deixou, escreveu e musicou essa cantiga maravilhosa. Sérgio tinha uma mentira implacável na carne: a hemofilia. Filho de Jacó do Bandolim, Sérgio é pouco lembrado, até porque viveu somente 38 anos, falecendo em 1979. A quem comparar Taiguara que também já não está entre nós e quem poderá ouvir ou um bandolim de Jacó, ou um “Naquela Mesa” de Sérgio cantado por ele mesmo em um dueto com a divina Elizeth? Todos se foram. Hoje estava ouvindo uma emissora FM e Chico Buarque cantava “By, by, Brasil”. Fiquei com saudade do cinema debochado da década de 70. A letra de Chico ainda está desfilando nos meus ouvidos: “Oi, coração, não dá pra falar muito não, espera passar o avião, assim que o inverno passar, eu acho que vou te buscar, aqui tá fazendo calor, deu pane no ventilador, já tem fliperama em Macau. Tomei a costeira em Belém do Pará, puseram uma usina no mar, talvez fique ruim pra pescar, meu amor.” Como trazer esse clima de volta? Era muita poesia e músicas de excelência. Imaginem os magos da bossa nova Marcos e Paulo Sérgio Valle musicando novelas da Globo na década de 60!! Precisamos ouvir cantigas, precisamos do delírio da beleza nestes dias nublados no Rio de Janeiro. Já não há mais Panair; a Varig já era; não existem mais festivais da canção; não há mais a sutileza plácida das músicas de Cartola, não se ouvem as cordas desafinadas do violão maravilhoso de Nelson Cavaquinho... ”Bate outra vez, com esperanças o meu coração, pois já vai terminando o verão, enfim. Volto ao jardim, com a certeza de que devo chorar, pois bem sei que não queres voltar, para mim... ” E haja lágrimas...Cartola também já se foi, mas pôde ouvir Beth Carvalho entoar sua linda canção... De um passado longínquo, vêm ecos de uma pérola de grande valor – “A deusa de minha rua”. Seus versos são de um amor abstrato, sem sexo, angelical...”...minha rua é sem graça, mas quando por ela passa, seu vulto que me seduz, a ruazinha modesta, é uma paisagem de festa, é uma cascata de luz...” Esses dias modernosos estão muito longe do sentimento das cantigas. Há muitas, no cancioneiro português, de qualidade incomparável. Assistam no Youtube ao vídeo “Canção do Mar”, com a magnífica intérprete Dulce Pontes e lá ouvirás uma dádiva da mente humana: “...Vem saber se o mar terá razão, vem cá ver bailar meu coração...”
Hoje eu queria uma cantiga assim, antiga, saindo dos meus dedos e se espraiando no meu teclado. Depois iria para o violão, dedilhando em cordas a ânsia de compor a minha melhor canção...
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