Estava tirando a poeira dos meus diários. Passei pelas páginas escritas há dezenas de anos e lá estavam reflexões sobre companheiros que se foram muito cedo. Havia algumas palavras sobre um amigo que costumava vir à casa de um vizinho. Todo sábado ou domingo lá estava ele com seus pais. Jogávamos bola na rua. Num final de semana ele não veio. Ficamos sabendo que ele, tendo ido à praia em Sepetiba, também com seus pais, morreu afogado. Foi uma comoção geral entre nós, garotos, mas a dor, contrariando os versos de Chico, não saiu no jornal. Perguntei-me: hoje, quem sente a falta do menino que se foi? O diário não fala, o papel necessita de alguém para fazê-lo falar. Havia também o registro sobre uma menina que sofreu um acidente de carro. Seu pai se descuidou num dia de chuva, o carro derrapou e chocou-se contra um poste. A menina foi lançada, com o impacto, para fora do carro, e um bonde que passava terminou de completar o trabalho da morte. Onde andarão além de mim essas memórias? Penso que tudo que passa se mescla na linha divisória entre o visível e o invisível. Um dia, esse imaginário vai ser resgatado. Como será reunir as idéias que não conseguiram ser postas em livros dos intelectuais que se foram? Como será congregar os sons dos gritos dos porões de torturas que foram relatadas nas publicações de homens perseguidos? Como estacar a lembrança dos heróis que deram sua vida por algo que não que não valeu a pena? Como religar conceitos que se perderam em filosofias que se renovaram? Como juntar as imagens que se gravaram em nossa retina tal uma película que contasse uma grande trajetória? Como conciliar nossas vitórias e derrotas e subtrair os sentimentos que afloraram com elas? Como realinhar nossos sonhos esperando grandes acontecimentos? Essa é a loucura dos séculos, porque imaginar implica ser livre e a história - o que se passou - pode servir como matéria prima para um delicioso conto mentiroso.
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
não acredite em tudo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário