
Chegava correndo da escola. Minha chegada era sincronizada com os meus programas de televisão prediletos. Havia uma só emissora de Tv – a Tupi. A transmissão em preto-e-branco lembrava os filmes “cult” que hoje vemos e curtimos. Há inclusive hoje quem não goste de filme colorido. São cinéfilos irredutíveis que não se deixam levar pelo olhar, mas pelo conteúdo, pela essência...Então, jogava minha pasta de couro pesada com livros e cadernos cansados de “guerra” no sofá, dirigia-me para aquela beijoca na bochecha de minha mãe e ia para o banho. Minha mãe ia atrás de mim com toalha, o pijama e as famosas perguntas: tudo bem? Como foi na escola? Comeu a merenda? Eu entrava ao banho como um rei que havia chegado do campo de batalha vitorioso e cheio de troféus. Assim me sentia e lembro-me de tudo como se fosse hoje. Meu prato predileto era o famoso arroz com feijão, batata frita e um bife mal passado, cercado de gordura bem crocante que eu devorava como se estivesse sentindo orgasmos múltiplos. Belos tempos em que as informações das emissoras de rádio não enchiam nossos ouvidos com mensagens de boa alimentação. Comíamos o que nos dava na gana. E tudo era preparado com a famosa banha de porco. Nunca sentíamos nada. Não havia antiácido, não havia remédio contra gases e tudo ia bem. Eram tempos inusitados. Saía do banho já preparado para jantar e ver os meus programas. Se não me equivoco eram sempre às dezenove horas. Cada dia uma programação diferente para o público jovem: Havia dois circos – inacreditáveis, muito gozados... – o do Carequinha e o do Arrelia. Havia séries com Roy Rogers, o Vigilante Rodoviário, Capitão Aza (com z mesmo)...E a vida ia passando sem temor e estávamos no final da década de 50. Hoje eu tenho mais de 60 canais em minha TV e passo dias que nem a ligo. Hoje não há mais Bonanza, não há mais o Teatro de Comédia, nem o Câmera Um de Jacy Campos. Hoje o aparelho é de plasma nos anos em que a moldura é mais importante que o quadro. Não temos mais o Repórter Esso. Gontijo Teodoro já partiu. Não temos mais o José Maria Scassa, flamenguista roxo, que meu pai destestava e eu também. Li recentemente que Scassa participou certa vez de uma mesa redonda onde estava Nelson Rodrigues. O programa era sempre transmitido altas horas da noite e Nelson cochilou. Scassa de pronto não perdoou: "Agora, eu já sei porque o Nelson só diz bobagem neste programa. Ele fica dormindo o tempo todo!" Todos os presentes à mesa cairam na gargalhada. Nelson rodou a baiana e exclamou sem dó: "Olha, Scassa, eu vou te dizer uma coisa patética: eu sou mais inteligente que você até dormindo”. Eram outros personagens. Por exemplo, os atores daqueles tempos eram muito mais interessantes. Havia aqui e ali um rostinho bonito, mas não se procurava essa beleza, mas a excelência da arte de representar. Na década de 60, na mesma Tv Tupi, surge talvez o personagem mais marcante na história da teledramaturgia brasileira: Antônio Maria, vivido pelo saudoso ator Sérgio Cardoso. E a Tv ainda era em preto-e-branco. As notícias chegavam depois de terem acontecido há mais de dois a três dias. Mas tudo muito calmo, Tio Sam preparava o mundo para ele, a globo já estava gestando seus primeiros passos. Foram-se o Diário de Notícias, O Jornal, o Correio da Manhã, o Diário da Noite (todo verde em sua primeira folha), a Notícia, a explêndida Última-Hora e outros jornais que não me ocorrem agora. Ficou muito pouco diante do espírito de soberba e de imperialismo de nossa mídia que se impôs pelo capital e pela influência política. Da programação inocente, que as noites me propiciavam pela tela de meu televisor Emerson, com seletor mecânico de canais de plástico, com tela de 21”, de caixa de madeira e com válvulas imensas, o que nos restou dessa inocência? O que sobrou desses dias inesquecíveis? Restou a memória, para pensarmos, meditarmos e não nos deixarmos levar pelo mesmo erro da geração atual do “laissez- faire”.
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