
Quem nunca teve vontade de escrever uma mensagem numa garrafa e lançá-la ao mar? Joaquim acordou certa manhã e essa idéia, talvez vinda de um sonho mal definido, começou a assolar sua mente. Quim, como era chamado pelos pescadores, levantou-se e tomando seu banho imaginou a cena como num roteiro de cinema. Escreveria num pedaço de papel o que gostaria que alguém que achasse sua garrafa soubesse e ali traria à luz seu grande desejo. Conhecer alguém que, como ele, gostaria de viver imaginando coisas e sonhar loucuras... Quim chegava a suar, passava o sabonete pelo corpo, mas nem tinha idéia do que estava fazendo. Seus pensamentos convergiam literalmente para o mar, as ondas levando a garrafa e em uma praia distante alguém ler o que escrevera ao recolher da praia o seu torpedo de vidro. Enfim, fechou o chuveiro e começou a idealizar o que escreveria, qual o lugar de onde lançaria a garrafa e o que faria depois: acompanharia a garrafa sendo levada? Tiraria fotos? Ou simplesmente deixaria para o mar o trabalho aleatório de definir rotas para levar a mensagem. Ficou pensando também na questão “tempo”. Quanto deveria esperar por uma resposta? Será que sua garrafa nunca sairia do mar? Será que as correntes marinhas impediriam sua mensagem de chegar à praia? E se ficasse assim para sempre? Pensou alucinadamente num grande peixe que levasse para dentro do mar sua garrafa, após engolí-la. Assim como foi feito com o profeta Jonas. Uma baleia o engolira e Jonas esteve ali em seu interior até que ela o vomitasse em uma praia de Nínive. Passou tudo isso pela mente de Quim. Só não definira ainda o que iria escrever, que era o principal. Quim ficou um pouco abalado porque teria que ser uma mensagem que o identificasse... No episódio de Jonas, o profeta era a própria mensagem, mas, agora, ele nem sabia quem deveria ser o recebedor, o que deveria ler e que motivação levaria a pessoa a respondê-la. O primeiro dia passou em branco. Imaginou se a garrafa seria de vidro ou Pet. O vidro poderia quebrar na grande viagem e uma garrafa Pet iria trazer problemas para o meio ambiente, como lera num jornal. Os dias foram se passando e as dúvidas foram se cristalizando. Quim nem sabia ainda o teor da mensagem quanto mais a composição de sua garrafa. O correr do tempo ia pouco-a-pouco afastando Quim de suas idéias. Passaram-se as horas, foram-se os dias, os meses foram sendo tirados da folhinha e a praia distante onde alguém iria receber as boas novas de Quim estava cada vez mais nebulosa e distante. Certo dia então, veio à memória de nosso personagem a história de Robson Crusoé. Tinha ficado impressionado com o livro que lera: a história do naufrágio e a luta de Robson para suportar a sua solidão. Loucamente imaginou se não havia um Robson qualquer numa ilha e que necessitasse de uma orientação, calor humano e o projeto mensagem na garrafa voltou à luz. Hoje Quim está com uma barba comprida e sua roupa é a mesma já algum tempo. As crianças zombam dele quando chegam perto de sua casa, mas todo dia, quando acorda Quim senta-se à mesa já bem surrada pelo tempo e começa a escrever. Muitas resmas já foram para o lixo, muitos lápis já perderam suas pontas e tiveram o mesmo destino, e como mensageiro Quim hoje pensa que é o próprio Crusoé.
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